quarta-feira, 11 de março de 2009

Um artigo para entender gastronomia...

UMA VISÃO ESTÉTICA DA GASTRONOMIA
Rosana Fernandez Medina Toledo [1]
rftoledo@uol.com.br

Vivemos uma época em que os saberes vivenciais e experenciais tomam lugar de destaque nos aprendizados acadêmicos.
Este artigo visa relatar a trilogia estética, formação e gastronomia no âmbito das experiências de vida ligadas diretamente na cultura em que cada sujeito está inserido. A busca de imagens por intermédios de sua história de vida.
Nossas vivências mostram como cada um de nós percebe o meio em que vivemos e como este interfere culturalmente na formação do sujeito. Temos uma memória gustativa que faz com que primeiro nos alimentamos com os olhos e depois com o paladar.
Esse olhar tem uma ligação direta com a história de vida que cada sujeito viveu diante do alimento que lhe foi oferecido na infância e de suas experiências, boas...”eu adoro comer isto”, ou ruins...”não consigo comer isto”..
Palavras chaves: estética – história de vida – gastronomia - gosto

VISÃO ESTÉTICA DA FORMAÇÃO DO GOSTO
Todos os seres humanos, ou até diria, todos os seres vivos, nascem e procuram um alimento. O ato de se alimentar sustenta um pilar primordial e que todo humano está inserido: Cultura. Esse ato caminha por culturas, sociedades, grupos, raças e tudo que envolve o ser humano. A escolha alimentar se dá a partir de uma trama entre normas, respeito, estética, tradição e ética.
CASCUDO (1983) relata que o paladar é o último a se desnacionalizar no ser humano, pois caminha juntamente com a sociedade, a cultura, o tempo, o espaço e sua história alimentar permeada por toda sua vida.
A estética e as dimensões culturais na Gastronomia caminham juntas. O ato de se alimentar tem que ser confortante e prazeroso. Comer não é somente um ato fisiológico, ele está permeado de símbolos, sinais, cores, texturas, temperaturas, ética e estética.
“O valor cultural do ato de comer é cada vez mais entendido como um ato primordial, pois a comida é tradutora de povos, nações, civilizações, grupos étnicos, comunidades, famílias, pessoas”. (Comer é pertencer. Raul Lody, p.144).
Definindo estética como um braço da filosofia que estuda o belo, a arte, o feio, o gosto..., o gosto pela comida está ligado de forma direta a estética.
Todos nós comemos para muito além do cumprimento de uma função físico-biológica. Os sentidos que envolvem a alimentação são emblemáticos e simbólicos, como utensílios, espaço arquitetônico, mobiliário, protocolo à mesa e tantos outros que cada cultura reverencia.
A contemporaneidade se destaca pela globalização e com ela a padronização de alimentos nas grandes redes de fast food. Surgem os movimentos e as reações como o movimento slow food, a nouvelle cuisine, a fusion food, a cozinha de autor... Cada um destes movimentos corrobora para que a estética do gosto evolua e estabeleça novos costumes gastronômicos e resgate a história de vida alimentar de cada sujeito.
Mas e a estética do gosto voltado para memória gustativa da infância e formação de cada sujeito? E a vivência que cada um traz em sua cultura? Não podemos negar essa história de vida, de formação, de saberes que cada sujeito traz em sua bagagem cultural e gastronômica. Não basta somente saciar a fome para estreitarmos a relação ser humano e alimento. A estética do gosto deve ser entendida como parte da experiência gustativa de vida, relacionada à influência cultural.
A mistura de alimentos e sabores, de culturas diferentes, de experiências diferentes, deu explicações sólidas e legitimadas a uma cultura que aborda os diferentes enfoques deste alimento.
O ato de se alimentar escolhe os diferentes enfoques e os desdobramentos sociais em que o sujeito está inserido, marcado pela ética e pela estética do alimento, do grupo e de sua história de vida. Os comportamentos se desdobram socialmente e o alimento é o mediador deste comportamento.
Podemos nos alimentar sob vários enfoques, pensando que vivemos na era das singularidades:
1. Cultural: visando uma educação antropológica e porque o homem se alimenta e qual a cultura que o rege. Alimentação em grupos, individuais, em família.
2. Religioso: alimentos permissivos ou não de acordo com a crença, com a fé, com rituais.
3. Político: consumir o que concorda, o que acredita, como é o caso dos alimentos orgânicos. Consumo por crer que esse tipo de alimento salvará o planeta.
4. Filosófico: vão muito além do aspecto religioso, alimentos que fazem bem ao espírito.
5. Econômico: ditado pela situação financeira propriamente dita.
6. Fisiológico: comer o que faz bem ao organismo, pensar em vitaminas e proteínas.

Todos os enfoques estão ligados a comportamentos definidos pela sua bagagem, pela sua vida, pelos seus limites e modelos de família e educação.
Pensamos que em qualquer sociedade o alimento não é somente degustado, mas também pensado. Pesando seu significado, seu símbolo de acordo com sua cultura e sua ética alimentar. O alimento possui um símbolo que vai muito além de sua composição química.
Rubem Alves em uma crônica diz que se fosse arquiteto, suas casas seriam planejadas em torno da cozinha. A sala de estar, jantar, livros, tevê, som, a paisagem, tudo num enorme espaço em torno da cozinha. Alimentamos-nos não só de alimento, mas também dos espaços divididos com os convivas e com suas experiências de vida.
“A mesa é o único lugar onde nunca se sente tédio durante a primeira hora”. (Brillat-Savarin, p.15).
O comportamento humano está ligado ao bom gosto, bom gosto também pela comida e isto envolve todos os sentidos. Sentidos físicos e culturais ligados à estética do gosto. Como relata FRANCO (De caçador a gourmet, p.24), “o gosto é, portanto, moldado culturalmente e socialmente controlado”.
A relação da estética com as dimensões culturais está relacionada ao gosto estabelecido por suas diferenças particulares e individuais. Sendo que o fator preponderante é o biológico, estabelecido por sua formação, por sua história gustativa. Sua experiência individual de gosto é imutável, esse gosto traz em si, o belo, referência de vida.
“Se o primeiro contato do homem com a comida foi por um impulso de sobrevivência, hoje essa relação contém aspectos técnicos e simbólicos que reproduzem valores, costumes e crenças de quem come. Ingredientes e modos de fazer definem sabores e aparências que se tornam referenciais de uma sociedade”. (Nutricionista Verônica Ginani, 2006).

"Na linguagem que movimenta a vida cotidiana, tão cheia de pressas e hábitos, a prosa predomina, mas, de vez em quando, abre-se o espaço para a poesia. Isso acontece todas as vezes que a despeito do cansaço e das obrigações achamos um jeito de valorizar um encontro ou uma ação. Nos banquetes, a festa é da poesia, das cores, dos cheiros e dos sabores. É a hora do brinde e da reflexão. A comida tem o olhar nos olhos, o riso e a oferta de quem elaboram o jantar. Tudo isso é o que une as pessoas desde os tempos de Baco e Dionísio à volta da mesa.” (trecho da reportagem "Tá na mesa" revista Vida Simples).

Referências:
ABRIL CULTURAL. Revista vida simples. São Paulo, dezembro de 2004.
ALVES, Rubem. Cenas da vida. 8ª ed. Campinas: Papirus, 2003.
BRAUNE, Renata e FRANCO, Silvia Cintra. O que é gastronomia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2007.
CARNEIRO, Henrique S. Comida e sociedade: uma história da alimentação. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
CASCUDO, Luis da Câmara. História da alimentação no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 2003.
FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2ª ed. São Paulo: Senac, 2001.
LODY, Raul: Comer é pertencer. p. 144 in ARAÚJO, Wilma Maria Coelho e TENSER, Carla Márcia Rodrigues (orgs) (2007). Gastronomia: cortes e recortes. VOL.I. São Paulo: Senac.
SINGER, Peter e MASON, Jim. A ética na alimentação. São Paulo: Campus, 2006.
SAVARIN-Brillat. A fisiologia do gosto. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.

[1] Professora universitária de Gastronomia na Universidade Cruzeiro do Sul e Universidade Paulista – UNIP-, em SP; Mestranda em Educação pela UNICID-SP.

2 comentários:

  1. Querida Rosana
    Minha visão sobre a "Gastronomia", é simplesmente como se eu estivesse diante de uma orquestra, e estar regendo: temperos, aromas, sabores, texturas, cores. O mix, é o ponto alto da minha satisfação, ver, ouvir e sentir o prazer de receber elogios, afinal somos grandes artistas, me incluo assim, pois como sua aluna, aprendi muito, e quero continuar a aprender com a sua sabedoria e experiência. E agradeço a "DEUS" por um dia "ELE" ter te colocado no meu caminho!
    Parabéns pelo blog, pois com ele tenho certeza que iremos aumentar a nossa cultura gastrônomica.
    Beijos com carinho
    Rosana Troccoli

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  2. Rosana,

    Te conheci como aluna e aprendi a gostar de você, por seu jeito de ser, por tudo que aprendi e pelo que ainda aprenderei com você. Certamente este blog será uma fonte de transmissão de conhecimentos. Desejo-te sucesso em mais esta etapa de sua vida!
    Um bjo com afeto e amizade,
    Rita Bertasoli

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